O que Lindbergh queria?
“Dinheiro, como todo mundo”, disse Delúbio Soares – antes de avalizar um contrato de caixa dois com uma agência de publicidade, em 2004
MURILO RAMOS E DIEGO ESCOSTEGUY
27/09/2013 20h55
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O ano de 2004 foi especial para Lindbergh Farias, atualmente senador e pré-candidato ao governo do Rio de Janeiro pelo PT. Inexpressivo como deputado federal e empacado politicamente pela imagem juvenil de cara-pintada, imagem que o perseguia desde o impeachment de Fernando Collor de Mello, nos anos 1990, Lindbergh percebeu que era hora de dar uma sacudida na carreira. Com o apoio da cúpula do PT, decidiu sair candidato a prefeito de Nova Iguaçu, uma das principais cidades da Baixada Fluminense. Administrar Nova Iguaçu seria, como se confirmou depois, um trampolim para projetos políticos mais ousados. Lindbergh sabia que precisava tornar seu nome conhecido na região e, nessa cruzada, contava com o respaldo dos próceres do partido, principalmente do então ministro da Casa Civil, José Dirceu, que via nele grande potencial. O primeiro passo era evidente: contratar uma assessoria de marketing político para promover a metamorfose, aos olhos do eleitorado, de líder dente de leite em gestor qualificado. Escolheu-se para o trabalho a agência paulista Supernova Mídia, do marqueteiro Carlos Colonnese, conhecido como Cacá. A parceria deu certo, e a passagem de Lindbergh para o segundo turno das eleições municipais entusiasmara a direção do PT. Mas também causara preocupação. Como a campanha de Lindbergh arrumaria os R$ 2,7 milhões que o marqueteiro Cacá exigia para continuar trabalhando?
Lindbergh, de acordo com líderes do PT que coordenaram as campanhas do partido em 2004, fez o que todos no partido faziam: foi pedir dinheiro a Delúbio Soares, então tesoureiro petista. Encontrou-se com Delúbio no restaurante de um hotel na Zona Sul do Rio de Janeiro, de acordo com esses relatos. Os dois conversaram a sós por alguns minutos. Quando Lindbergh foi embora, os interlocutores de Delúbio perguntaram o que ele queria. “Dinheiro, como todo mundo”, disse Delúbio, segundo o relato de um dos presentes. Delúbio consultou Dirceu, que aprovou o repasse do dinheiro – ou, no mínimo, o compromisso do partido de pagar a conta assim que se obtivessem fundos para tanto. Naquele momento, a vitória de Lindbergh era uma das prioridades do grupo de Dirceu. A direção do PT sabia que Lindbergh viria a ser, como agora se demonstra, um candidato forte ao governo do Rio de Janeiro.
Em 2004, o PT tinha muitas campanhas – e muitas dívidas – país afora.Mesmo com o dinheiro do operador Marcos Valério, hoje condenado no caso do mensalão, Delúbio não conseguia fazer frente às demandas dos candidatos. Como alternativa, segundo pessoas próximas a ele, Delúbio se comprometeu com Lindbergh a avalizar a dívida com o marqueteiro Cacá. Delúbio exigia, porém, que Lindbergh também assinasse um contrato e as respectivas notas promissórias com Cacá. Era uma maneira de garantir que, caso eleito, Lindbergh arcaria com a quitação da dívida, por meio de contratos da prefeitura de Nova Iguaçu com Cacá, como determinam as regras silenciosas da política nacional. Lindbergh hesitou, segundo os relatos. Disse que seu coordenador de campanha assinaria. Como Delúbio estivesse inflexível, Lindbergh finalmente capitulou. Topou assinar os papéis.
Em 2004, o PT tinha muitas campanhas – e muitas dívidas – país afora.Mesmo com o dinheiro do operador Marcos Valério, hoje condenado no caso do mensalão, Delúbio não conseguia fazer frente às demandas dos candidatos. Como alternativa, segundo pessoas próximas a ele, Delúbio se comprometeu com Lindbergh a avalizar a dívida com o marqueteiro Cacá. Delúbio exigia, porém, que Lindbergh também assinasse um contrato e as respectivas notas promissórias com Cacá. Era uma maneira de garantir que, caso eleito, Lindbergh arcaria com a quitação da dívida, por meio de contratos da prefeitura de Nova Iguaçu com Cacá, como determinam as regras silenciosas da política nacional. Lindbergh hesitou, segundo os relatos. Disse que seu coordenador de campanha assinaria. Como Delúbio estivesse inflexível, Lindbergh finalmente capitulou. Topou assinar os papéis.
E assim foi feito. ÉPOCA teve acesso aos documentos, que estavam com dirigentes graúdos do PT. Os papéis revelam que, no dia 14 de outubro de 2004, a duas semanas do segundo turno, Lindbergh e Cacá assinaram um contrato secreto de R$ 2,7 milhões, avalizado por Delúbio. Cinco dias depois, Delúbio endossou três notas promissórias oferecidas como garantia de pagamento. Uma no valor de R$ 500 mil, outra de R$ 1 milhão e a última de R$ 1,2 milhão. As promissórias também foram assinadas por Lindbergh. Em 26 de outubro daquele ano, a cinco dias do segundo turno, o contrato foi registrado no Cartório do 10o Ofício de Notas de Nova Iguaçu. Todas as firmas foram reconhecidas.
O esforço do PT foi recompensado com a vitória de Lindbergh. Na prestação de contas apresentada à Justiça Eleitoral, Lindbergh reconheceu apenas R$ 500 mil em despesas com a empresa do marqueteiro Cacá. O contrato público, do caixa oficial, tem, além do valor de R$ 500 mil, uma importante diferença em relação ao contrato secreto. Nele, não aparece Delúbio Soares. O conjunto de papéis secretos constitui evidência forte de que Lindbergh cometeu crimes eleitorais, ao fornecer informações falsas à Justiça Eleitoral – e, claro, ao recorrer ao célebre caixa dois de Delúbio.
O esforço do PT foi recompensado com a vitória de Lindbergh. Na prestação de contas apresentada à Justiça Eleitoral, Lindbergh reconheceu apenas R$ 500 mil em despesas com a empresa do marqueteiro Cacá. O contrato público, do caixa oficial, tem, além do valor de R$ 500 mil, uma importante diferença em relação ao contrato secreto. Nele, não aparece Delúbio Soares. O conjunto de papéis secretos constitui evidência forte de que Lindbergh cometeu crimes eleitorais, ao fornecer informações falsas à Justiça Eleitoral – e, claro, ao recorrer ao célebre caixa dois de Delúbio.
Apesar do compromisso assinado por Delúbio e Lindbergh, o marqueteiro Cacá tomou um calote parcial, de acordo com os relatos. Em 2005, no primeiro ano do mandato de Lindbergh à frente da prefeitura de Nova Iguaçu, o município firmou um contrato de R$ 600 mil com a empresa de Cacá. Seria o primeiro de muitos, mas, segundo a narrativa, disputas impediram os demais repasses. Só esse primeiro contrato foi suficiente para causar um belo estrago jurídico a Lindbergh. Em 2008, o então procurador-geral de Justiça do Rio de Janeiro denunciou Lindbergh, Cacá e outras seis pessoas por fraude em licitação. Foi aberto um inquérito, que, agora, está sob a relatoria do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes. É um dos processos que fazem de Lindbergh, segundo levantamento do site Congresso em Foco, o campeão de processos entre os parlamentares. São 13. Neles, Lindbergh, que ajudou a derrubar o ex-presidente Fernando Collor, é acusado de corrupção passiva, corrupção eleitoral, desvio de recursos públicos, formação de quadrilha e crimes contra a Lei de Licitações.
Depois de romper com Lindbergh, Cacá, usando o contrato secreto e as promissórias, cobrou dos dirigentes do PT o pagamento do restante da dívida. Foi ignorado. Com os anos, reaproximou-se de Lindbergh e, no ano passado, trabalhou para o PT nas campanhas municipais do Rio, com o objetivo específico de tornar o nome de Lindbergh mais conhecido. Procurado por ÉPOCA para comentar o caixa dois de Lindbergh, Cacá primeiro disse que cobrara apenas R$ 500 mil do PT naquela campanha, e que o PT lhe devia R$ 250 mil até hoje (sem correções). Negou a existência das promissórias. Depois, confrontado com os papéis, reconheceu a veracidade deles. Afirmou que o contrato secreto foi assinado “no calor das comemorações” do primeiro turno – e que os serviços de marketing acabaram não sendo executados. “Não houve entrega, não houve serviço, não houve pagamento. O que houve foi o distrato do contrato”, disse. ÉPOCA, então, pediu uma cópia do tal distrato. Não apareceu. Quanto ao contrato com a prefeitura de Nova Iguaçu, Cacá disse que não houve fraudes.
Delúbio não respondeu aos questionamentos de ÉPOCA. O atual tesoureiro do PT, João Vaccari, limitou-se a afirmar que todas as informações relativas à prestação de contas do partido constam do site do Tribunal Superior Eleitoral. Lindbergh não respondeu às perguntas de ÉPOCA sobre os valores pagos ao marqueteiro Cacá, nem sobre as promissórias assinadas por ele e Delúbio Soares, nem sobre o contrato secreto. Em nota, afirmou que “as despesas de campanhas de 2004 foram assumidas pela direção nacional do PT, e as contas foram aprovadas pela Justiça Eleitoral”.
“O senador Lindbergh Farias manifesta sua indignação com o fato de ÉPOCA abrir mais uma vez espaço para atacá-lo com uma denúncia antiga e sem fundamento”, disse ainda Lindbergh na nota. Ele se refere a duas reportagens recentes de ÉPOCA. Uma noticiou detalhes de um processo sobre suspeitas de compra de uma decisão judicial permitindo sua candidatura à reeleição em 2008. A outra revelou documentos de um processo em que ele é acusado dedesviar dinheiro de contratos da prefeitura de Nova Iguaçu. Com tantos processos, talvez Lindbergh precise novamente de um contrato com o marqueteiro Cacá.
Depois de romper com Lindbergh, Cacá, usando o contrato secreto e as promissórias, cobrou dos dirigentes do PT o pagamento do restante da dívida. Foi ignorado. Com os anos, reaproximou-se de Lindbergh e, no ano passado, trabalhou para o PT nas campanhas municipais do Rio, com o objetivo específico de tornar o nome de Lindbergh mais conhecido. Procurado por ÉPOCA para comentar o caixa dois de Lindbergh, Cacá primeiro disse que cobrara apenas R$ 500 mil do PT naquela campanha, e que o PT lhe devia R$ 250 mil até hoje (sem correções). Negou a existência das promissórias. Depois, confrontado com os papéis, reconheceu a veracidade deles. Afirmou que o contrato secreto foi assinado “no calor das comemorações” do primeiro turno – e que os serviços de marketing acabaram não sendo executados. “Não houve entrega, não houve serviço, não houve pagamento. O que houve foi o distrato do contrato”, disse. ÉPOCA, então, pediu uma cópia do tal distrato. Não apareceu. Quanto ao contrato com a prefeitura de Nova Iguaçu, Cacá disse que não houve fraudes.
Delúbio não respondeu aos questionamentos de ÉPOCA. O atual tesoureiro do PT, João Vaccari, limitou-se a afirmar que todas as informações relativas à prestação de contas do partido constam do site do Tribunal Superior Eleitoral. Lindbergh não respondeu às perguntas de ÉPOCA sobre os valores pagos ao marqueteiro Cacá, nem sobre as promissórias assinadas por ele e Delúbio Soares, nem sobre o contrato secreto. Em nota, afirmou que “as despesas de campanhas de 2004 foram assumidas pela direção nacional do PT, e as contas foram aprovadas pela Justiça Eleitoral”.
“O senador Lindbergh Farias manifesta sua indignação com o fato de ÉPOCA abrir mais uma vez espaço para atacá-lo com uma denúncia antiga e sem fundamento”, disse ainda Lindbergh na nota. Ele se refere a duas reportagens recentes de ÉPOCA. Uma noticiou detalhes de um processo sobre suspeitas de compra de uma decisão judicial permitindo sua candidatura à reeleição em 2008. A outra revelou documentos de um processo em que ele é acusado dedesviar dinheiro de contratos da prefeitura de Nova Iguaçu. Com tantos processos, talvez Lindbergh precise novamente de um contrato com o marqueteiro Cacá.
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